Fóruns

Em 2016 e 2017, a companhia criou e organizou dois fóruns para estimular o diálogo a reflexão e apontar a importância de trabalhos artísticos que sejam acessíveis e inclusivos. Não basta criarmos espetáculos onde se encontre a diversidade no palco, precisamos estar preparados para receber e dar as boas-vindas a uma plateia diversa. Assim, os fóruns contaram com profissionais das artes, onde foi possível o debate de pensar a diversidade na cena, no ensino e na plateia.
Apontamento para possíveis caminhos que a dança pode seguir a fim de garantir essa diversidade, e práticas que a Dança sem Fronteira já promove, foram compartilhadas e debatidas com seus participantes.

Fórum – Diversidade um direito de cidadania ,14/10/2016

No I Fórum realizado pela Dança sem Fronteiras, estiveram presentes na mesa, Fernanda Amaral, diretora da companhia; a profa Dra do curso de bacharelado e licenciatura em Dança na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Ana Terra; o educador do Museu de Arte Moderna (MAM), membro do grupo Corposinalizante e professor de arte, Leonardo Castilho; a professora-doutora do Instituto de Artes (UNICAMP) e a especialista em gestão e políticas culturais pela UNESCO (Université de Dijon, Ministère de la Culture/France), Cássia Navas.

Todos os participantes da mesa primeiro se apresentaram e contaram um pouco de suas trajetórias e o motivo de estarem compondo a mesa, depois de aberta as falas foram criados grupos de trabalho (GT´s), e cada grupo teve a seguinte provocação: 1) “Educação em arte, formas de acesso”; 2) Políticas públicas em arte, políticas de acesso, políticas para a diversidade e 3)Vivências em arte (pessoas com  e sem deficiência). O fórum finalizou com a troca entre reflexões e relatos de cada grupo e apontamentos para futuros questionamentos.
Trechos do Relato mediado e escrito por Cássia Navas

Educação em arte, formas de acesso

Questões inicias: para quê? Como?

Como se dá o acesso à dança?

  1. Pela mídia (TV e redes sociais)
  2. Pela escola básica (por aqui deveria ser dado o acesso privilegiado a todos)

Por essa razão, se faz necessária uma luta constante pela arte/dança em todos os níveis do ensino, da pré-escola ao ensino médio. Na luta, o balé deve ser uma das abordagens, mas certamente não a única, pois crianças e jovens com deficiência têm que ter aceso a muitas outras metodologias, notadamente as abertas pelas pedagogias da dança moderna/contemporânea. Estas preveem a ênfase no processo de aprendizado e criação, e não somente na performance final, que é fundamental no ensino tradicional da dança clássica.

Depois disso, foi apontada a questão da necessidade do “toque físico”, do contato próximo que a dança pode e deve aportar para todos, em especial àqueles que tenham deficiência, e que seja feito de maneira artística e não terapêutica. Esse aspecto seria mais evidentemente encontrado na dança que prevê a percepção e a improvisação como metodologia de formação e de criação da performance em cena.

Outro ponto levantado foi a questão das interfaces entre dança e educação física, que de uma “situação de enfrentamento” podem evoluir para uma “situação de riqueza”, a depender da abertura, qualidade formativa e tipo de professores envolvidos.

O acesso ao corpo, através da dança, seria de fundamental importância para todos, crianças/jovens com ou sem deficiência, mas as modificações pelas quais as instituições devem passar exigem um tempo diferente do tempo do crescimento de todos. Há diferentes velocidades em jogo. Nesse sentido, é importante que sejam levadas em conta as diferenças de tempo da educação formal, informal e não formal.

Pela arte ter em sua constituição o trabalho com o acaso e com o experimental, ela traria em si uma “quebra de rotinas”, e tal fato nem sempre seria bem visto frente aos processos educacionais de hoje. Por isso, se faz absolutamente necessário estudar, documentar e escrever sobre esses processos, sempre e cada vez mais, para garantir o máximo de utilização e compreensão dos métodos, sistemas e conteúdo.

Ou seja, seriam necessárias grafias de metodologias e novas epistemologias organizadas a partir de ações concretas de grupos e companhias de dança, escolas, projetos, ONGs, cursos livres, programas, cursos regulares, graduações etc.

Políticas públicas em arte, políticas de acesso, políticas para a diversidade – Questões iniciais: para quê? Como?

O primeiro ponto levantado foi o da diferença entre o “mundo real” e um “mundo ideal”, onde os participantes do Fórum estariam trafegando naquele dia. Há um longo caminho a ser percorrido em termos de instituições e projetos, cujos resultados vão demorar a aparecer.

Um ponto importante levantado foi a necessidade do envolvimento das famílias e professores de crianças, jovens e adultos com deficiência em todo processo de acesso à arte, pois com isso, estaríamos envolvendo muito mais pessoas, todas elas atuando como agentes multiplicadores.

Apontou-se a necessidade da ampliação dos projetos que ainda não estão voltados para o acesso à diversidade, no sentido de se tentar modelos mais ousados e experimentais, sempre com acompanhamento para que sejam documentados e difundidos. Foi citada uma ideia surgida na mesa: os grupos de dança que recebem subvenção direta deveriam receber estagiários com deficiência para um trabalho de observação e aprendizagem mútua, dentro da proposta de cada um dos grupos e seus projetos aprovados.

Esse ponto insere-se no que foi bastante discutido: a questão de uma cultura da dança, que toca diretamente o corpo, à maneira da arte, deve ser ampliado sem cessar em todas as políticas públicas para esse campo, como uma ação de estado e não de uma gestão ou outra. Foi levantada a questão: arte para quê, como e para quem? As respostas pontuais foram: importância da arte nos processos de sensibilização para todos, mas importantíssimos para pessoas que querem ser artistas (da dança), sobretudo aquelas com deficiência.

Arte faria parte do sublime dentro do “humano”, e borraria os limites entre o perfeito e o imperfeito, o potente e o delicado, o forte e o fraco, o virtuoso e o grotesco frente a padrões muito antigos do belo. No trabalho formativo em artes com pessoas com deficiência, esses opostos/oposições tomam outros lugares e novas fronteiras são criadas – as velhas sendo destruídas – na construção de novos territórios, uma das funções da arte, afinal.

Outra questão levantada: a arte incomoda em si? E a arte de artistas com deficiência? Sim, a arte poderia incomodar, e arte de artistas com deficiência colocaria isso em relevo, na cena. Ou seja, pode incomodar mais, para além da piedade que possa causar.

Vivências – Questões iniciais: para quem? Como?

O primeiro ponto levantado foi a importância da convivência, que aponta para a vivência tanto no contexto formativo, quanto no contexto criativo. Nesse sentido, tem relevo a questão da experiência em arte à qual todos devem ter acesso, com ou sem deficiência.

Entretanto, aqueles com deficiências (no plural) devem ter um tipo de acesso que extrapola a vivência em si, a mobilização para dança tendo início a partir de sua saída de casa, no transporte, na chegada ao espaço, nos profissionais etc.

Nas vivências, de preferência realizadas entre professores e alunos de múltiplas habilidades, estariam sendo trabalhadas as bipolarizações do corpo perfeito versus outros corpos ou mesmo da inteligência única versus múltiplas/ outras inteligências.

Com isso, haveria um avanço na “desmitificação” do conhecimento, cujos processos são pontuados por mitos, que geram medo, angústia e ansiedade frente a padrões muito restritos.

Finalmente, sobre a formação de artistas com deficiência, colocou-se a questão de como chegar a esses jovens (onde eles estariam)? Essa também seria uma questão do acesso à arte a ser trabalhada em políticas públicas mistas – acesso à arte, aos transportes, à circulação, a prédios públicos etc.

Por último, foi apontada a questão “da superação”, muito presente nos discursos da mídia televisiva ao longo dos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro de 2016. Face a esta questão, a pergunta que restou foi “o que é superar-se? ” Em arte, a superação seria a quebra de certas “regras” e não o “enquadramento em tantos padrões”?

Fórum 2 – Ser público: acolher a diversidade no palco e na plateia

Compartilhamento da pesquisa da Cia e dos 20 anos de investigação de Fernanda Amaral, com a apresentação de DVDs e fotos de trabalhos de dança realizados em vários países com pessoas com as mais diversas habilidades e características neurológicas, motoras e intelectuais.

O segundo Fórum promovido pela Dança sem Fronteiras, teve compondo a mesa, a professora-doutora do Instituto de Artes (UNICAMP) e a especialista em gestão e políticas culturais pela UNESCO (Université de Dijon, Ministère de la Culture/France), Cássia Navas; o educador do Museu de Arte Moderna (MAM), membro do grupo Corposinalizante e professor de arte, Leonardo Castilho; e a coordenadora do curso de bacharelado e licenciatura em Dança da Universidade Anhembi Morumbi, Valéria Cano Bravi.

O foco deste fórum foi a partir do público. Mediações e estratégias que tornem possível a dança para um público diferenciado, tanto em espetáculos quanto no seu ensino.